« Home | Doce sorriso » | O oceano de sangue » | O necrotério do centro da cidade nos fins de semana. » | Ninguém » | Venha, fogo, venha! » | Estrela » | Medo de olhar, medo de gente » | Amor de terra » | Mendigos » | Salgado e poluído » 

sábado, junho 27, 2009 

Intimidade

Você já é íntimo o suficiente para conhecer meus choros mais fúteis. Toda vez que meu cabelo me irritar, e por um descuido dos grandes – logo eu, que não me permito errar – chorar pelo volume excessivo de minhas cabeleiras, você vai saber. É triste talvez, acho que você nem queria; talvez seja mesmo desnecessário. Mas você vai saber. Não porque a futilidade ficará assim tão óbvia a esfregar na sua cara as razões do meu mau humor só de olhar meus olhos caídos, mas eu não vou resistir. Não vou conseguir segurar a vontade de fingir que desabafo – pois também sei que sentirei vergonha de sofrer por tão pouco. De compartilhar com você meu desagrado, minhas lágrimas de criança. É, acho que não é bem um desabafo, pois não há nada de tão pesado de que se libertar: é um jeito de compartilhar, simplesmente porque eu não resisto.

Vai, quem sabe, ficar inflamado de orgulho, imaginando o quanto se tornou irresistível, mas eu nem quero pensar nisso. Ao menos evito. Deixo-me levar pelos momentos irracionais, quando, de tão criança, quase vou chupar o dedo, apenas não o fazendo porque nunca tive mesmo esse costume.

Não vou ter vontade de, numa hora dessas, dizer eu te amo, que escolhi você tanto quanto você me escolheu ou falar de anos de amor. Não espere que eu te faça algum carinho, nem que eu o retribua (pelo menos não enquanto tomada pelo fútil mau humor). Não espere nada de mim nesta hora, por favor. Seja sempre tão compreensível quanto costuma, tão sensível a ponto de entender aquilo que, de tão frívolo, nem sequer precisaria da compreensão de qualquer outra pessoa.

Agradeço agora, enquanto cônscia, tudo aquilo que eu sei que você há de suportar. Espero demais de você? Veremos, mas eu acho mesmo que não, não sobre aquilo de que agora falo. Outras muitas vezes cheguei à conclusão de que realmente superproduzi expectativas, de que o erro foi mesmo meu. Tive inúmeras decepções e na maioria delas, esse foi o melhor argumento para me culpar, quer estivesse eu certa ou errada – quem há de saber? De qualquer forma, peço desculpas antecipadas. Acredito também que a oração do pai-nosso privar-me-ia de seu efeito caso não perdoasse meu próximo, mesmo um tão próximo do coração como você, mas, não se preocupe, não é mero interesse subliminar. É prevenção, antes que seja subvertida por meus próprios instintos animalescos.

Finalmente, antes que este papelzinho branco acabe, imagino você acordando às 7:00 como sempre, lendo aquilo que era pra ser apenas um recadinho de cabeceira e acaba de transformar-se numa missiva completa, faltando apenas o endereço que não escrevo apenas porque moro do seu lado, todas as noites. Imagino o seu sorriso tímido de orgulho ao entender cada idéia, mesmo sem ter terminado de ler tudo isso. Tento, inutilmente, entre milhares de alternativas, adivinhar o que você deve estar pensando que é uma mulher louca que sai mais cedo e deixa papel como sinal de sua presença depois de um dia confuso, mesmo que você tenha ido dormir tranqüilo como quem tivesse entendido tudo. Hera já está fora, mas há de voltar para os braços de um Zeus exclusivo. Que o Olimpo brilhe à sua frente, enquanto esse sol queima a pele de quem já está lá fora. Use protetor solar.

Um beijo na cabeceira da cama.

Marcadores: , , ,

Menina, uauuu... que escrita sublime. Amo viajar em seus textos de beleza impressionante: saio daqui no mais, duplamente, impressionada. Sua captura íntima, e leva-me as voltas do lençol e amarrotado do travesseiro tão almejado. Relações pretéritas-presentes-perfeitas fazendo-nos retornar ao tom, o ruído da respiração; um apresença para dentro do pedaço: do outro que é nós também.
... 19 anos apenas, e atua como uma escritora de grande porte.

Linda, continue assim...

Beijos e beijos mil

Priscila Cáliga

Olá amiga! estava passando, assim, distraidamente, avistei o teu espaço, invadi, gostei e te asseguro que voltarei para aprender mais um pouco. O texto está perfeito. Muito bem coordenado. Parabéns!

Beijos,

Furtado.

Uma carta dessa na cabeceira pra começar o dia? Escrita com os galhos intrincados dos anseios e dúvidas e contradições femininos? Putz... Sugiro à missivista que mais tarde, pra compensar, rasgue a carta e faça pingar os pedacinhos dela sobre seu corpo nu, feito convite em gotas: agora me lê de verdade, vem...
Parabéns, Vanessa, bom te ver caminhando. bjs
.
Ricardo Kelmer
.
blogdokelmer.wordpress.com

Postar um comentário

100 Maneiras de Fugir is powered by href="http://www.blogger.com">Blogspot and Gecko & Fly.
No part of the content or the blog may be reproduced without prior written permission.
First Aid and Health Information at Medical Health