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domingo, abril 05, 2009 

Mendigos


Uma corrosão lenta, uma ferrugem de maresia. Tão perto da vida do mar, tão perto do seu julgamento de morte. Certa, lenta, cruel, pela maresia. Come os metálicos sentimentos. No mar, há peixes a conviver mais uma de muitas cruéis cadeias alimentares. De uma outra espécie de cadeia participam os humanos sobre a Terra, apercebam-se disso ou não.

Mas ainda vivem, porque não querem morrer ou porque não têm coragem mesmo. Os mendigos, sem lar, sem ninguém e até sem solidão, com o hábito desse tipo de vida a acompanhá-los como um cúplice mais leal que qualquer humano - normalmente desaprovamos esse tipo de vida arrastada. Tal cúmplice encontra a fome, e a fome e o cúmplice são um só - um que os corrói, corrói-lhes o estômago e os olhos. Não vêem saída, não vêem nem sequer uma chance.

Uma mulher com TPM fica em casa, tenta escutar uma música que lhe agrade pra esquecer a solidão injustificável, que só a torna ainda mais ridícula. Acaba encontrando um cd que nunca mais escutou. Ou que nunca escutou direito. A solidão ainda a acusa, mas ela também encontrou seu cúmplice. E escuta, escuta, pede pra ter sono mas não tem. Não tem nem sequer coragem de tomar um sedativo (como leu em alguns livros), quiçá os próprios comprimidos. O dia demora a terminar, mas termina com uma linda lua cheia. Mas ela não vai lá fora compartilhar suas fases com a da lua - fica trancada em casa.

Um homem briga com a mulher pela quarta vez no dia e quer aliviar a mente, sai a andar pela rua sem rumo, acaba no cabeleireiro da esquina. Descobre que essa é a desculpa perfeita para sair repentinamente de casa. Ele esquece a raiva que sentiu porque esqueceu da mulher, e olha satisfeito pelo pequeno espelho que mostra como ficou o cabelo. Nossa, até na nuca ele cortou direitinho. Sorri. Sai, vai ao bar da outra esquina, mas só toma uma cerveja, não está doendo o cotovelo suficiente para encher a cara, faz tempo, tanto tempo que não encho a cara, pensa.

E eu acordo de manhã, achando ruim que acabaram os primeiros dois segundos em que a inconsciência me abençoa com um pouco de tranquilidade, livrando-me de mim mesma, minha miserável condição mendiga, a sempre querer mais.

Imagem: Deviantart; kartxila

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