O oceano de sangue
Abrem-se as flores vermelhas no jardim. Minhas árvores não têm fruto algum: suas folhas também já caíram. O chão está colorido de laranja, o vermelho está derramado em todo lugar. Um oceano vira mar e alcança a praia e meus pés na terra já firme, não posso escapar, não devo nem quero. É a hora.
De repente, o quarto crescente se mostra no céu: o único momento em que o vermelho dá lugar ao branco, e às cores azuis da noite. O vermelho apenas dorme, mas flui em vida, mesmo dormindo o vermelho ou dormindo eu: continuamos juntos fluindo.
Quando as árvores estão cheias de frutos maduros é porque já passaram pelo sacrifício, pela mudança: natural, quieta, cheia de vida. Dentro do meu ventre, eis a mudança! Um fluxo altera meu corpo inteiro. Minha mente, meu corpo, minha percepção, tudo muda, e prepara-se, mais uma vez, para ser um berço e um altar à vida, além daquilo que apenas meu corpo possa conter. O copo prepara-se para transbordar, não apenas para ficar cheio.
Há quem tema, há quem tenha ojeriza, há quem chore - até eu já o fiz... - mas nem sempre se entende a transformação até que já tenha passado. Que o oceano de sangue toque-me e recue, assim como tem de ser, para o vai e vem da vida continuar...
Enquanto toco com os pés a areia fria da praia à noite, elas continuam a contar o que se ouve desde que a linguagem existe.
Há anos, mulheres jogam flores no mar. Há milênios, mulheres são respeitadas em silêncio e quietitude uma vez por mês. Donas da sabedoria, do mistério que apenas a elas é concedido, a vida que delas emana, a energia e o poder que vem da mãe, que é cada uma de nós e de onde todos - homens e mulheres - vêm. E enquanto o sol derrama violentamente sua luz sobre a terra e de vida a enche, a lua em diferentes faces presenteia a noite lembrando a vida e o mistério que vem da luz azul divina. Vem, mãe, e nos enche, até que transbordemos, quando de fato estivermos prontas!