domingo, maio 31, 2009 

O oceano de sangue


Abrem-se as flores vermelhas no jardim. Minhas árvores não têm fruto algum: suas folhas também já caíram. O chão está colorido de laranja, o vermelho está derramado em todo lugar. Um oceano vira mar e alcança a praia e meus pés na terra já firme, não posso escapar, não devo nem quero. É a hora.

De repente, o quarto crescente se mostra no céu: o único momento em que o vermelho dá lugar ao branco, e às cores azuis da noite. O vermelho apenas dorme, mas flui em vida, mesmo dormindo o vermelho ou dormindo eu: continuamos juntos fluindo.

Quando as árvores estão cheias de frutos maduros é porque já passaram pelo sacrifício, pela mudança: natural, quieta, cheia de vida. Dentro do meu ventre, eis a mudança! Um fluxo altera meu corpo inteiro. Minha mente, meu corpo, minha percepção, tudo muda, e prepara-se, mais uma vez, para ser um berço e um altar à vida, além daquilo que apenas meu corpo possa conter. O copo prepara-se para transbordar, não apenas para ficar cheio.

Há quem tema, há quem tenha ojeriza, há quem chore - até eu já o fiz... - mas nem sempre se entende a transformação até que já tenha passado. Que o oceano de sangue toque-me e recue, assim como tem de ser, para o vai e vem da vida continuar...

Enquanto toco com os pés a areia fria da praia à noite, elas continuam a contar o que se ouve desde que a linguagem existe.

Há anos, mulheres jogam flores no mar. Há milênios, mulheres são respeitadas em silêncio e quietitude uma vez por mês. Donas da sabedoria, do mistério que apenas a elas é concedido, a vida que delas emana, a energia e o poder que vem da mãe, que é cada uma de nós e de onde todos - homens e mulheres - vêm. E enquanto o sol derrama violentamente sua luz sobre a terra e de vida a enche, a lua em diferentes faces presenteia a noite lembrando a vida e o mistério que vem da luz azul divina. Vem, mãe, e nos enche, até que transbordemos, quando de fato estivermos prontas!

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terça-feira, maio 26, 2009 

O necrotério do centro da cidade nos fins de semana.

A suspeita é a reação ao cheiro podre das feridas desse mundo.

Eu passeava de carro, no banco de trás, como sempre, com as três janelas de trás só minhas como sempre, mas a paisagem não era agradável. Era aterrorizadora (não, não era bem isso...), era de um suspense parecido com a tensão típica de um filme, mas fora das telas esse medo é mais carnal ainda porque algo realmente me podia atingir. O centro da cidade, domingo, é morto. Todas as lojas fechadas, se apertando entre prédios históricos. O corpo da cidade nu deixa tudo mais claro, mais nítido, o centro fica realmente cru.

Mas na nudez do corpo, seres se apossam do que dele resta. Vê-se pouca gente,
caminhando
ou sentando
assaltando
ou sendo assaltando
vendendo o corpo cheio de DSTs
ou comprando uma dessas porcarias.

O sol do fim-do-meio-de-tarde, uma coisa assim nem três nem cinco horas da tarde post meridiem, derramava-se espalhafatosamente nos poucos largos espaços entre as ruas tão apertadas do centro de Fortaleza. E quanto mais aberto, mais medo dava: um homem andava sem rumo e outro, meio bêbado, meio drogado, acaba de descobrir o seu com esta oportunidade.

Sem ver, de fato, o ato consumado, sinto o cheiro podre que vem antes de tudo explodir. Acabam, desabam, as chaaaaaaances de tudo mudar. Na segunda que se segue, o centro veste-se de gente, como uma flor vestida de abelhas, para no próximo fim de semana a mesma imundície se expor.

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quinta-feira, maio 21, 2009 

Ninguém


Amar você nunca será igual a amar alguém, seja quem for. Ninguém jamais será parecido, nem sequer pra enganar.

Ninguém vai se contorcer todo como quando apenas encosto o nariz na sua bochecha. Ninguém vai ficar atento uma criança, excitado como um adulto quando ouvir eu falar bonito no ouvido. Qualquer pessoa resistiria a cinco segundos do meu olhar calado entre alguns beijos... menos você, graças a Deus. Ninguém guarda tanta coisa na memória, sem contar um terço sequer em palavras e se vingar os dois terços em carinhos, não, ninguém, exceto você. Ninguém me assusta tanto, ninguém me surpreende tanto quando o telefone toca, quando fala, quando aparece de repente. Ninguém gosta tanto de que eu perturbe, tenha ciúme. Ninguém gosta tanto de não poder, não dever explicar as coisas, para dar lugar àquilo que apenas a pele pode explicar. Ninguém fica tão bonito de camisa pólo e presente nas mãos. Ninguém me faz insistir tanto em tempos ruins, ninguém me faz querer morrer apenas se a terra me tragasse viva. Ninguém me fez perceber que, de fato, não quero conversa inteligente. Quero só um abraço...

Ninguém me faz sentir tão criança, tão acolhida e tão adulta ao mesmo tempo. Ninguém me faz parecer tanto uma índia, que não tem cruzes, só tem a própria liberdade e matas e matas e matas a correr, com o vento nos cabelos e no corpo inteiro; ninguém me faz querer ficar nua. Ninguém me lembra tanto das responsabilidades, ninguém me idolatra tanto, ninguém fica tão feliz por saber que eu vou aparecer.

Ninguém me faz sentir ódio da noite, das dez horas, mas ninguém me faz amar tanto uma manhã de sexta-feira. Ninguém põe tanta cor nos meus passos, porque ninguém me observa tanto enquanto ando.

Ninguém, exceto você.
***
Sonho:
Levarei você para uma casa na praia, terei que fazer um suco qualquer, comprar um pão, parti-lo e pôr nele manteiga, e sentada no seu colo, vamos conversar alguma coisa que não mude a vida de ninguém, simplesmente porque podemos ser crianças bobas conversando coisas tolas, livres, alegres, tranqüilos. E logo eu sei que você vai me contar um segredo – que já não somos mais crianças, mas somos ainda mais felizes por isso, e vai me mostrar porque. Eu vou fingir que estou surpresa, e eu não vou estar, exceto pelo prazer que sempre haverá em ouvir isso. E eu vou ser sua como eu sempre quis, mais uma vez.
***

Isso não se repete com outro alguém. O sol não arde igual nas flores.
imagem: Deviantart; purplepawn

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