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segunda-feira, março 16, 2009 

Desejo

Tantas, e tantas, e tantas vezes ela esperou. Quis que acontecesse. Enchia os olhos: tantas cores, tantas possibilidades, o prazer de tê-lo nas mãos. Seria macio, seria ingualável, seria lembrado por gerações, atravessaria a imortalidade, se isso sequer pudesse entender.

Mas, oh, ela dependia. Tinha que pedir. Não, tinha que implorar, chorar, fazer um escândalo (como se nunca o tivesse feito, mas era assim mesmo vergonhoso, especialmente porque quase sempre era não apenas inútil mas ainda mais doloroso). Ah, ela sofria. Ultrapassaria a barreira? Ou não teria coragem? Ora, mas já a tivera, por que se esquivar? Se não o teria, ao menos faria seus dedos sentirem a aura que ele emitia, o quanto mais próximo possível conseguisse chegar.

Clara sonhava com aquele ursinho de pelúcia mais que tudo na vida. Apesar de que só deu tempo com ele sonhar por cinco minutos, o tempo desde que se afastara da vitrine. Nem sequer o tocara, mas podia de longe sentir, quase como uma clarividência, era doce, azul - não, rosa é melhor - macio, o toque daquele elefantinho. Cabe direitinho no meu colo, eu vou dormir com ele, não mais ficar sozinha, como meu pai tanto quer. Sim, há alguns fora arrancada da cama dos pais, sem nada ter feito.

A idéia - é isso! O toque do elefante, a companhia do elefante, era um golpe que o pai não imaginaria. Pensaria, pois, que era apenas um brinquedo. Mas era subverter a vontade, era dar a volta por cima, era a necessidade do urso. Era não também não precisar não dar explicações e ainda assim ter um cúlmplice.

E agora, mesmo que a voz não gritasse, a mente gritava, era seu destino possuir o elefante de pelúcia. A expectativa lhe era doentia, mordia os lábios enquanto continuava a andar de mãos dadas com o pai, olhando as outras vitrines, fingindo que ainda conseguia se interessar por outra coisa. Apertou os olhos, preparava-se para o esforço, para vomitar o nó na garganta, precisava pedir, pedir o elefante de pelúcia.

E quando abriu os olhos, não disse nada. Suspirou. E, de repente, o pai lhe pegara nos braços, e sim, era outra vitrine, muito pouco interessante. As roupas seguiam a silheta daquelas bonecas enormes, esguias, coloridas, os números, enfileirados, dançando logo embaixo.

Não teve o elefante naquela noite, mas sabia que não estava só, e isso lhe valia tanto quanto saber num reino cristão que Artur tivera um filho com a própria irmã: a mãe mordeu os lábios e apertou os olhos tal qual Clarinha.

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