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quarta-feira, abril 15, 2009 

Medo de olhar, medo de gente

Meio de tarde. Céu nublado. Céu tão nublado, tão nublado que as nuvens já não tinham mais formas de um fofo algodão doce. Parecia um monte de algodão esticado no céu, quase gaze. O sol parecia um buraco de luz, ofuscado pelas nuvens. Se não fossem umas três da tarde, Arian teria duvidado se aquele era mesmo o sol; se não já não era a lua, porque o sol parecia humilde iluminando tão pouco no céu. Sentada na calçada, Arian esperava o ônibus. E esperava a chuva também.

Passaram dez minutos e nada. Havia outras cinco pessoas esperando naquela parada. Olhavam-se disfarçadamente. Os olhares faziam de tudo para não se encontrar. Ela mesma o fazia, apesar de achar que fosse mesmo um erro as pessoas se evitarem tanto, até no olhar. Vergonha, receio, desconfiança, curiosidade, evitar intromissão, por que se escondiam? Era por isso tudo. Olhavam o chão quando os olhos encontravam os olhos alheios, quase automaticamente. Mas Arian sabia que a gente sente o olhar pairar sobre nós, como uma espécie de energia direcionada, fica ali como uma fumaça, um ar diferente e somos obrigados a respirá-lo.
Um ônibus, de repente, chegou – assassinou os pensamentos. Agora era apenas o instinto, pôr em prática o que sabia que tinha a fazer, afinal: articular as pernas e entrar no veículo. Não era seu ônibus, porém. Então ela assassinou o instinto, quando leu o letreiro do ônibus e impediu a si mesma de tomar a condução errada.

Olhou a calçada de cimento por alguns instantes, mas algo atraiu sua atenção: o olhar de uma mulher na janela do ônibus. Olhou nos olhos da senhora (já não era assim tão jovem, nem assim tão bela, nem assim tão arrumada), corajosa senhora: manteve o olhar. Há tão pouco tempo Arian condenou o erro de fugir do contato com o outro até mesmo no olhar, mas agora estava constrangida. Estava olhando nos olhos da senhora, que não tinha medo de fitar-lhe os olhos. Estava atônita – iria chorar? Não. Fez um esforço, portanto, levantou a cabeça, direcionou os olhos à senhora, mas não adiantou encará-la. Mantinha os olhos como correntes. Olhou a parede (isso era mesmo muita grosseria, eu fui mal-educada, fui infantil, fútil, não sei me defender sequer de um olhar) e ônibus foi embora.

Talvez tenha perdido a oportunidade de se aproximar de si mesma, de seu próprio medo, mas era um medo tão comum que já não parecia mesmo medo, era só um incômodo, um nada, um ônibus que passou. Uma história que eu vou esquecer de contar quando chegar à minha casa.

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Nossa!
Isto foi realmente profundo, perfeito!
Sabias palavras, uma história que todos passam o tempo todo,
Muito bom! :P

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