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domingo, abril 19, 2009 

Estrela


Sentou, debaixo da árvore que pensou que nunca cresceria, com um presente em mãos. O livro era uma espécie de promessa, começou a ler há meses, mas, há muito, não tinha retomado a leitura. A família estava reunida dentro de casa, havia gritos e algumas risadas estridentes; Estrela estava cansada de tanto barulho. O livro foi uma desculpa para si mesma, para sair de casa, ir à calçada e sentar debaixo da árvore. Umas duas horas da tarde, talvez, quase ninguém na rua. Era melhor que dentro de casa.

Ganhara o livro no último fim de ano, de uma tia que morava no exterior. Tinha uma curiosidade enorme de saber o que existe fora do Brasil – como se lá existissem extraterrestres ou coisas assim tão diferentes. Então logo que ganhou o livro, beliscou umas páginas. Mas viu que o livro não respondia às suas perguntas, não dizia nem sequer como era lá. Pobre da tia, como iria saber da curiosidade tão específica da menina? De qualquer forma, achou que deveria mostrar estar muito satisfeita com o presente, mais do que realmente estava, esse é o certo: é assim que os adultos fazem. Como quando a mãe ganhou meias de inverno. Tinha quase mofo: a mãe nunca as usou. Mas pelo telefone, parecia muito empolgada com as meias, coloridas e de dedinho. Coisa tosca pro Ceará.

Então, com as páginas marcadas com uma fita azul antiga, Estrela voltou a ler. Foi se admirando: quantas coisas eu esqueci... Ah! O Carlos que é primo da Verônica e não a Angélica... E foi retomando o clima da história. Como não percebi que era assim tão legal? Era cada vez mais empolgante. Deu risadas. Arregalou os olhos. Em seus nove anos de idade nunca tinha visto coisa assim tão interessante.

Acabou um capítulo.

A página em branco.

O impacto.

Não esperava a página em branco, sinceramente, com toda a sinceridade que uma criança pode ter, com toda a sinceridade que ainda restava-lhe como criança. O branco da página era o vazio dentro de si: o vazio que se tem como quando alguém começa a contar uma novidade, um segredo, uma fofoca, mas repreende-se antes que termine o relato. A menina arregalou os olhos outras vezes, mas a página em branco foi o choque maior.

Queria vingar-se do livro. Queria insistir pra que quem começou a contar, agora que conte logo tudo, tudinho, até o fim da história. Engoliu em seco. Viu o número em algarismo romano, olhou pra página onde tudo recomeçava. Na verdade, continuava, mas parecia mesmo um começo. Um recomeço. Como se Estrela precisava de uma nova dose de coragem pra ir em frente. Como passar de fase no videogame. Só que aquilo era um desafio que o livro, quase vivo, agora fazia à menina, com as mãos no bolso, que nem filme de faroeste. Quis fechar o livro e fingir que nada daquilo acontecera, que simplesmente acordou de um pesadelo e a realidade é outra, sem conexão alguma com seus sonhos.

Mas não era um sonho. Agora não tinha escolha. O livro a enlaçara pelo pescoço, como quando a avó pegava a galinha pro almoço em família – sim, ela, escondida, vira esse assassinato uma vez.

Raciocinou que fechar o livro era mentir pra si mesma. E entendeu que o livro não era feito pra responder às suas perguntas, mas para causar-lhe ainda mais perguntas, até que estivesse tão confusa como um adulto.

imagem: Deviantart; alejka

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Oi Vanessa, Tudo Bem?
Que legal vc gostar do Pablo Picasso, um pintor a frente do seu tempo, desbravador em suas criações, onde viveu mto bem seus anos de vida, colocando em cada fase de sua pintura, tds as suas descobertas, sentimentos, mudanças, enfim...
Agora sobre sua postagem, gostei mto do seu jeitinho de escrever, que ora vc fala de alguém, e em outro momento vejo vc!
Realmente vivemos a vida tda querendo respostas para nossas indagações, a qual mtas são respondidas, outras não..e talvez esse livro, tenha sido lido, na esperança de encontrar tdo que a gente não entende, que fica no ar, mas parece que através dele surgirão mais dúvidas, pois talvez procuramos no outro aquilo que temos em nós.
Quando vc fala da folha em branco, entendo direitinho, pois a vida é isso aí, conforme vamos caminhando, vamos escrevendo nossa história, por isso, "talvez" quando adolescentes nos sentimos perdidos, pois ainda não temos mts palavras nesse livro, entende?
Um grande bj e continue me visitando.

Já ia me esquecendo, já estou te seguindo, pois assim não à perco de vista...se quiser me seguir, deixo em suas mãos.
Bjoca.
Wal.

Oie lindinha, passando para agradecer seu comentário. Amei e amei.
Este seu escrito é lindo.

Beijos milll querida.

Priscila Cáliga

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