terça-feira, agosto 11, 2009 

Vento que finge ser vendaval. (ou) Das ilusões.

Quem nunca se iludiu na vida?

Superproduzimos expectativas o tempo todo. A gente se arruma toda, põe uma maquiagem perfeita, fica com o coração disparando - mesmo que meia hora depois a gente descubra que não precisava tanto. Imaginamos que, agora sim, temos o emprego perfeito (na primeira reunião de trabalho já dá vontade de pedir as contas).

E chega a solidão. Fica óbvia a realidade dura, a ausência, a falta que lhe é sempre peculiar. Sozinhos porque, frente à realidade, não temos as expectativas como companhia. Às vezes, temos apenas a tímida companhia da esperança. O engraçado é que é tão fácil perceber quão ridículas são as expectativas alheias, enquanto nós mesmos estamos cheios de sonhos dourados.

Está comprovado: não é uma mera questão de ingenuidade. De fato, normalmente, um adulto de 30 anos ilude-se mais que um adolescente de 12. Mas continuamos a construir as estradas além do horizonte. Não podemos tocar o que há no futuro, não podemos vê-lo, só podemos alcançá-lo (e aí já é tarde demais, porque o mesmo já deixou de ser futuro e agora é presente) ou imaginá-lo. Projetamos pontes imaginárias que ligam o nosso passado ao suposto futuro o tempo todo.

Umas vezes, calculamos onde se quer chegar: o tamanho da ponte, a quantidade de corda e madeira, a largura, a física dos ventos. Racionalmente, sentamos e calculamos tudinho. E dá uma felicidade danada descobrir que vai dar tudo certo - aparentemente. Quando o futuro vira presente, porém, às vezes a gente leva uma rasteira: é quase impossível pensar em todos os detalhes, e, mesmo que isso seja possível, não podemos evitar que as coisas fujam do rumo. A natureza é imprevisível, o futuro, no fim das contas, também o é.

Então ficamos pensando... O que fazer para evitar decepções, fantasias?
Acredito que é impossível evitar completamente ilusões: primeiramente porque as expectativas (onde muitas vezes as ilusões residem, apesar de serem duas coisas totalmente diferentes) são inerentes ao comportamento humano: nos protegemos pelo medo e estendemos nossos tentáculos abstratos rumo ao futuro. Ambas são projeções comportamentais desenvolvidas para suprir uma falta, ou uma fome. Em segundo lugar, a criação de expectativas são uma espécie de prazer, e aí eu comparo mais uma vez à fome física. Comemos não só para evitar uma deficiência energética, mas sentimos vontade de comer, e assim também sentimos vontade de futuro, experienciando um prazer antes mesmo que ele chegue - se é que ele vai mesmo chegar.

Deixo aqui um link de um artigo da revista Vida Simples, que eu a d o r o tratando do mesmo assunto, em linhas um pouco mais específicas: CLIQUE AQUI
E deixo também uma música dos incríveis Beatles que me faz pensar no assunto, Eleanor Rigby, do álbum Revolver, de 1966.



Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Eleanor rigby picks up the rice in the church where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window, wearing the face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?

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segunda-feira, agosto 03, 2009 

Sereia do Mar


Na rede, os cilindrinhos de isopor, já não tão brancos, contam, lembram, testemunham histórias. Hoje, Cícero cansado, resolve sentar no pequeno barco. Olha as redes, que parecem sujas, mas, na verdade, já não são mais tão jovens: como ele mesmo. Toca o queixo, passa a mão, sente a barba rala e começando a ficar branca: cinquenta anos no mar se fazem perceber.

Fim de tarde, esperava as ondas do mar mudarem de direção, esperava o mar querer ir para dentro de si mesmo. E aí podia pôr a jangada de volta no mar, como se procurasse o coração deste, em vez de peixes. Não procurava peixes, de fato. Procurava vida. A vida que vibra debaixo da água, em suas veias cheias de adrenalina, nas barrigas cheias dele próprio e da família. É bom estar no mar. Sou o mar quando nele. O cheiro de maresia, o balançar das ondas, as pernas relaxadas porém firmes a equilibrar-se, o cheiro de sal, sal, sal, o azul, o verde, as cores não-sei-o-quê, a bandeira da jangada balançando: é tudo puro encanto. É tudo lindo demais.

As pessoas compram peixes nos mercados. Enchem as barrigas de seus filhos, lambem os dedos, chupam cada espinha, se admiram das cores. Os peixes. Elas nem sabem que eu pesco. Mas não importa. Eu sou feliz em viver tanta beleza. E ainda mudo o dia de muita gente bonita...

Olha para a Sereia do Mar. Lembra porque aquele humilde barco levava esse nome, sorriu simples e satisfeito, dá umas batinhas na madeira, enquanto tem o corpo moreno, queimado do sol, sentado na velha companheira. Sente que ela também sorri.

E quando a noite cobre o dia como um véu negro infinito, Cícero sabe que é hora de se deixar levar... Os músculos se articulam, se dobram num espetáculo humano diário: a busca. A aventura da busca por ela mesma. Até que já dentro do mar, segura a vela da jangada com mão firme e vigia o mar... Noite adentro, Cícero invoca o milagre da fertilidade: tira a rede cheia de peixes, até que o barco diga que já pode mais com tanto peixe, e o velho Cícero volta para a praia, e baixa as cortinas: o espetáculo não termina, apenas recomeça.

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