Primavera

Quente, mormaço, inferno e verão. Dizem que são essas a únicas estações por aqui. Se é motivo de preconceito ao nordestino eu não sei, mas que aqui é quente eu sei que é; é e pra valer.
A chuva demorou, gostou da casa, pendurou o chapéu e o casaco, sentou pra tomar um café e falar da novela na calçada às oito da noite. Já é meio-de-ano e ainda chove. Olha que ano passado choveu tão fininho, tão poquinho... A chuva devia mesmo estar com pressa.
Desde bem pequena, lembro dos meus avós falando de inverno e verão, verão e inverno, inverno e verão. Mas, há pouco eu aprendera as quatro estações: primavera, verão, outono e inverno. Ninguém falava de primavera e verão. E eu comecei a achar que essas duas eram mentiras. Só pra complicar mais o assunto das estações (como se isso funcionasse. Há!).
E um dia eu contei isso pra professora. Ela:
- Não é mentira não, é de verdade. Só que não acontece aqui onde a gente vive. Só do outro lado do mundo.
E eu achei que esse mundo era mesmo muito injusto: a comida não era dividida igual, a mesada, o salário e nem as estações. Eu devia morar num fim-de-mundo, quem sabe. Talvez onde eu moro não fosse digno disso. Via nos filmes a neve, as folhas caindo e as crianças brincando de bagunçar as folhas amarelas, as flores enchendo as ruas de toda cor, tanta cor que coloria até o ar. O ar fica mais rosa com as flores rosas.
Acabei expressando minha indignação por tamanha injustiça. Sentei na cama, suspirei. E comecei a rezar:
- Olha, senhor, o senhor não acha que é um pouco injusto primavera e outono e inverno só para alguns? Eu queria ver a neve. Queria ver as folhas caindo, as árvores peladinhas (sem ofensa, Deus). Mas mesmo assim boa noite.
Uns minutos depois, minha mãe entrou no quarto. Fingiu ter percebido minha cara de aborrecida: tava mesmo era escutando eu rezar.
- Tá com raiva de quê, Lili?
- Não acho que seja certo eu dizer, mas... - e acabei contando a história toda.
- Não, não, Lili, não é bem assim. Aqui a gente tem sim outono e primavera. Só que aqui elas acontecem de um jeito especial: só acha quem procura, só vê quem quer ver.
Arregalei os olhos. Não tinha pensado em procurar. Tinha só me resumido a fechar a cara e reclamar com Deus. E no outro dia, no caminho da escola, eu fui notando, procurando achar a primavera ou o outono, parecia que eu os tinha pego emprestado, perdido e precisava achá-los. Entre as duas mãos de uma pista, um canteiro verde e... flores! Flores vermelhas contrastando com o verde forte das folhas. Quando cheguei na escola, logo na calçada, um zelador limpava as folhas amarelas, marrons, laranjas! As flores de laranjeira se exibiam no alto das árvores, pincelavam as calçadas como pontinhos brancos. Percebi que já tinha visto tudo isso tantas vezes... Mas não tinha procurado, por isso, não enxerguei antes!
Aos sete anos, tive o maior insight da minha vida. Da minha vida curtinha.